terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Crônica


A Revelação©

        Lépido, ele subia os degraus da escada quando a perna vergou depois de uma fisgada no joelho. Achou que era um sintoma de artrite. “Mas artrite é doença de velho”, pensou discordando do auto-diagnóstico. Completou a escalada, entrou em casa e foi direto mirar-se no espelho do banheiro para confirmar a suspeita. “Hum... que artrite qual nada!”
     Passaram-se uns poucos anos de boa forma mental e física e ele esqueceu o incidente. Num belo dia acordou de madrugada, no final do filme da “Sessão da Madrugada”. Opa! já é três da madrugada. Não consegui ver todo o filme e a sessão da madrugada já está terminando. Onde é que vai a energia que me mantinha acordado às sextas? Levantou-se da poltrona e foi para o banheiro. Acendeu a luz e deu uma boa olhada no rosto. “Caramba! Não é que estás parecido com o teu velho pai na idade em que ele não agüentava mais passar das dez da noite?”, indagou da fisionomia refletida no espelho, convencendo-se que não entrara precocemente na terceira idade. Mas ficou desconfiado. Lembrou das fotografias que o genro tirara recentemente numa reunião familiar, por ocasião do último Natal.
    Foi pegar as fotos e na medida em que as observava, comparava a sua aparência com a de cada uma das que estavam nelas. Um dos genros já possuía algumas cãs e a neta mais velha posava ao lado do marido. Estava calor e ele vestia uma camiseta cavada que lhe permitia ver as pelancas dos braços refletidas no espelho do banheiro, para onde fora a fim de confirmar que já a ultrapassara a terceira idade e já era um velho olhando agora para os seus próprios olhos. Começou um diálogo com o espelho: “E por que não percebi isso antes?”. Então assumiu que aquela nova aparência resolvera-se aos poucos sobre ele como o vai-e-vem da maré que apaga as inscrições sobre a areia molhada da praia: “Foram-se todos os vestígios da mocidade!”, concluiu finalmente e sorriu tentando ser cômico e zombador daquela imagem à sua frente vendo-a falar as mesmas palavras: Não olhavas para o teu próprio rabo quando comentavas sobre o envelhecimento dos ostros!...”  
    Examinou novamente as fotografias do último Natal e depois encontrou outra, tirada há sessenta anos atrás, quando ele era então um garotinho como os dois netos mais novos que agora contemplava na foto mais recente, colorida, comparando-a com a outra em preto-e-branco, totalmente amarelada pelo tempo. Suspirou ao pensar que no futuro também em seus netos desapareceriam os vestígios da meninice, e depois os da mocidade e, por último, da faze áurea da geratividade, que ocorre antes da velhice insolente a refletir-se no espelho. Largou as fotos e voltou a encarar, sisudo sua imagem no espelho. Depois alargou um novo sorriso, agora carregado de paz. E voltou a falar com a imagem: “Devias ter começado a contagem regressiva há vinte e sete anos atrás, quando começaste a demandar o céu onde Jesus preparou a tua pousada eterna”. Sentiu sono ao gozar aquela paz. Despediu-se da imagem: “É coroa!... Menos um dia para a partida!”. Deitou e dormiu sorrindo o sono da eternidade.

©Carlos Mendes

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