sexta-feira, 31 de maio de 2013

Conto: O Carneiro e as sementes

Por: Carlos Mendes


“Eis que o semeador saiu a semear. E, quando semeava, uma parte da semente caiu ao pé do caminho...” (Mateus 13:3b e 4)
I
Lembrava do primeiro dia que voltou da escola para casa, cadernos e livros amarrados às costas, calcanhares pisando forte na calçada de barro batido.
Entra em casa, atravessa a sala e sobe a escada em caracol no mesmo ritmo acelerado e forte, marcado pelos saltos de couro das botinas que o pai comprara para ele estrear no primeiro dia de aulas. A mãe aparece entre os vãos dos balaústres redondos de madeira que sustentam o corrimão.
     O que aconteceu Carneiro? — pergunta preocupada, enxugando as mãos no avental.
Ele estaca e se vira para a mãe agarrando furioso o corrimão da escada. Bate a botina com força no degrau e desabafa:
     A senhora sabe que eu me chamo Carneiro de Semente!
Depois do desabafo se senta no degrau, coloca o rosto entre os braços cruzados sobre os joelhos e começa a chorar.

Carneiro tinha chegado das andanças a pé pelos campos ao redor de Ponta Grossa. Estava tão cansado que sentou um pouco no primeiro degrau da pequena escada por onde se entrava na tosca cabana que tinha construído nos arrabaldes da cidade, num vilarinho com apenas dez casas construídas em terrenos grandes, separados por cercas de arame farpado. As propriedades nos arrabaldes do pequeno e principal núcleo residencial e comercial de Ponta Grossa , cidade mais rural do que urbana, eram de pouco valor. Enquanto descansava ele pensava naqueles idos da infância, olhar fixado no descampado a sua frente e no céu sem nuvens e sem aves voejando. A paisagem também era pobre e só oferecia a visão daquele campo desbotado e coberto por capim rasteiro, respingado pelo barro roxo e seco, imóvel pela calmaria que já durava meses. O que conseguia ver, negava-lhe um motivo que fosse para justificar o meio sorriso e o olhar ausente que emprestavam feição de paz e alegria ao rosto daquele jovem sentado no primeiro degrau de quem subia a escada de entrada da sua modesta cabana de madeira. 
Lembrava do pai, responsável pela escolha do seu nome de batismo. Os pais tinham morrido quando ele era ainda menino.  O trabalho excessivo e os poucos recursos para tratamento do impaludismo lhes ceifaram a vida muito cedo.
Mas quando aprendeu a cumprir o vaticínio do próprio nome, Carneiro de Semente se tornou uma pessoa feliz. Não se tornou feliz apesar do nome, mas em função dele.
“Carneiro de semente”, pensou abrindo a alma em regozijo, pois naquele dia ele havia estabelecido contato com duas famílias de camponeses alemães, cujos chefes se encontravam em casa, descansando durante a calma do dia.
“Bom dia”, ou “Boa tarde”, dizia ele em alta voz chamando a atenção de quem o avistava nos terrenos que os colonos separavam dentro da propriedade da fazenda, onde construíam as suas casas. Geralmente a resposta lhe era oferecida pela dona da casa, ou uma das filhas a estender as roupas no varal, a cuidar da horta ou a jogar ração para as galinhas caipiras:
     O que deseja, moço?
     O patrão está?
     Tá não, moço — era a resposta predominante em certos dias da semana.
Carneiro de Semente tinha que seguir caminhando muitos quilômetros montado a sua cavalgadura por longas estradas de barro que serviam as herdades aos colonos, pedindo a Deus que na próxima parada encontrasse o chefe da casa, pois não era decente para um homem sem companhia feminina entrar em casa de família quando o chefe não estava. 
Calculou que havia coberto mais de trinta quilômetros naquele dia. “Eram os ossos do ofício de um evangelista”, pensou Carneiro.
II
O domingo chegou trazendo os colonos para a cidade. Ali naquele pequeno centro comercial de Ponta Grossa eles faziam as compras dos suprimentos que abasteciam as suas dispensas. Os que moravam em herdades mais distantes faziam suas compras uma vez por mês, pois além da maior distância que tinham de cobrir com as carroças puxadas por parelhas de bois, as estradas de barro eram mal conservadas.
A cidade enchia-se dessas carroças, e enquanto as mulheres colocavam em dia os assuntos da semana ou do mês, durante as demoradas conversas dentro dos armazéns de abastecimento, os maridos iam jogar malha nas quadras construídas perto dos bares que procuravam para se embriagar, especialmente com o chope. Dentro dos bares os colonos jogavam cartas e conversavam animadamente enquanto bebiam o chope. Outros, em menor número, mas tão barulhentos quanto os demais, reuniam-se junto às mesas de bilhar.
Carneiro de Semente não fugia a regra dessa freqüência aos domingos na cidade, ainda sem igreja evangélica para os serviços de culto. Era bem recebido nas rodas que os homens formavam para as distrações, apesar da sobriedade revelada pela sua completa abstinência ao álcool, aos jogos e aos gracejos irresponsáveis. Pensava como o apóstolo Paulo: “Execrava o pecado, mas amava os pecadores” e de tal forma, que os queria ganhar para Cristo, não o incomodando o que as suas incredulidades faziam com os seus costumes e falares.
     Chega até aqui, ó Carneiro de Semente — chamou um camponês sentado à uma mesa a jogar sueca com outros colonos. 
Carneiro de Semente puxou uma cadeira para a vaga entre o homem que o convidara e um dos seus visinhos.
Às vezes acontecia haver no grupo quem o hostilizasse grosseiramente, desagradando-se da aproximação do convidado. Quando isso acontecia, Carneiro de Semente ia cumprimentar quem o tinha chamado e se afastava em seguida, pedindo desculpa por não poder se reunir ao grupo. Mas a maioria dos fazendeiros e trabalhadores rurais de Ponta Grossa conheciam aquele moço extremamente educado, que sabia ser afável com todos, mas sabia se comportar com reservas diante de manifestações de desagrado pela sua aproximação. E faziam prevalecer o respeito devido a moço tão sociável e culto, constrangendo quem o hostilizava a procurá-lo para o pedido de desculpas e a confirmação do convite que lhe faziam para reunir-se ao grupo. 
Carneiro de Semente era proseador acatado. Quem conhecia a sua lide de evangelista sabia que durante a semana era essa a sua única ocupação, pesando a seu favor o fato de jamais alguém o ter encontrado em casa durante o dia. E quem o visitasse a noite ou o encontrava mergulhado nos estudos de teologia bíblica, ou orando ou a ler o seu único livro de referência sobre as questões de fé em Deus: a Bíblia Sagrada. Uns poucos camponeses já convertidos a Jesus o chamavam de “Semeador”, título que quadrava bem com a linguagem usada naquela próspera região agrícola do princípio do século dezenove. Quando um novo camponês tomava informações sobre a ocupação daquele moço, quase que infalivelmente ouvia a mesma resposta de algue´m que logo se antecipava a responder pelo Carneiro.:
     Ele é semeador.
Mas nos dias de folga dos camponeses, Carneiro de Semente ia para a cidade como um semeador que também estivesse de folga, o que acabou melhorando ainda mais a estima  que lhe dedicavam.      
     Diz-me cá uma coisa, semeador — começou a perguntar o chefe da estação de trem, parceiro de jogo do camponês que o havia convidado para sentar-se com eles — o telegrafista de Deus pode entregar uma mensagem no seu dia de folga?
     Pode — respondeu Carneiro de Semente.
O chefe da estação fora criado com uma família de judeus, e conhecia bem as prescrições da Torá sobre o dia de descanso para o povo escolhido.
     Isso não é transgredir a lei de Deus?
Carneiro de Semente conhecia a integridade de quem lhe pedia esclarecimentos. Notou que os outros três jogadores de sueca também demonstravam interesse pela resposta.
     A Bíblia diz que Jesus é o Senhor do sábado e que não reprovou os seus discípulos quando arrancaram espigas para saciar a fome que sentiam num desses dias... (Mt 12:1-5)
     Desculpa-me a interrupção — disse um camponês abaixando as suas cartas sobre a mesa. — Mas qual é a relação entre comer e receber uma mensagem?
     Uma mensagem recebida de Deus é alimento para a alma — respondeu Carneiro de Semente, aproveitando para recalcar um ensinamento bíblico.
     Mas não foi Jesus que arrancou as espigas... — falou reticente o chefe da estação enquanto escolhia uma carta para descartar sobre a mesa.
     É verdade, mas o pé cá está com as espigas, se precisares arrancar uma neste dia de descanso...
Diante do silêncio geral o chefe da estação jogou sobre a mesa a carta do descarte. Depois olhou para o seu parceiro de jogo e notou que o encorajava. Carneiro de Semente e a roda de jogadores perceberam que aqueles parceiros compartilhavam algum segredo que tinha íntima relação com a pergunta do chefe da estação.
     Toda Ponta Grossa reconhece que eu sou um bom chefe de estação...
As primeiras palavras que foram proferidas pareciam conter embaraços insuperáveis. O chefe da estação pigarreou, largou sobre a mesa as cartas que restaram após o descarte e entrou resoluto no âmago da questão:
     Eu estou diante de um grande dilema... Burlei o concurso que me concedeu a chefia da estação de trem — seu rosto avermelhou-se de vergonha. — Lhes confesso isso porque estou convencido que devo atender as rígidas exigências morais do evangelho que o Semeador nos tem ensinado... — Depois de uma breve hesitação, continuou: — mas também receio prejudicar a minha mulher e filhos se perder o emprego.
Todos olharam para o Semeador. Haveria uma resposta da Bíblia para o caso? Carneiro de Semente puxou um minúsculo evangelho do bolso, abriu-o numa atitude que os meios sorrisos e entreolhares entre o grupo dos homens ali reunidos denotavam aguardar. Leu a passagem que narrava o encontro de Jesus com um chefe de publicanos chamado Zaqueu. Depois passou para as suas conclusões sobre o texto lido:
     Zaqueu era chefe dos publicanos ou coletores dos impostos. E na Palestina os funcionários públicos sob suas ordens eram considerados ladrões, devendo o mesmo conceito recair sobre o seu chefe em Jericó. Mas essa condição de ladrão é apenas um aspecto do pecado no homem. Quando Jesus se ofereceu para ser hóspede na casa de Zaquel, este percebeu que podia almejar ser amigo do “Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”, e isto apesar de sua condição de publicano. Como vocês puderam perceber pela passagem que eu li, Zaqueu ficou extremamente satisfeito com o oferecimento de Jesus. E por que ele teria ficado tão contente?... — Carneiro de Semente aguardou por uma possível reposta e vendo que ninguém atinava com um motivo, concluiu: — Zaqueu sabia que aquela amizade lhe valia o perdão e a salvação de Deus. Embriagado por essa alegria ele afirmou então que passaria a viver de maneira diferente e Jesus o declarou salvo, atestando com isso a sinceridade das palavras de Zaquel. (1)
        Carneiro de Semente olhava com simpatia para as fisionomias daqueles homens simples do campo. Amava essa simplicidade porque ela sobrepujava a insolente presunção do saber humano. Gostava de semear naqueles campos porque neles era possível a segadura de frutos espirituais abundantes.
        Mas precisava concluir o ensinamento bíblico que interessava diretamente ao chefe do correio.  
     Que providências Zaquel tomou depois disso para arrumar a sua vida, não se sabe. A Bíblia não se perde em detalhes que podem facilmente ser concluídos por quem entende as exigências de uma vida de retidão diante de Deus.

A resposta 
O chefe da estação planejava arrumar a sua vida. Teria de começar pelo reparo da cadeia de danos causados pela sua fraude? Um homem foi prejudicado por ela e isso lhe causava o incômodo remorso que reclamava reparação dos danos cometidos. Até onde se estenderia essa cadeia desses danos? Quem tinha sido prejudicado podia agora ter mulher, filhos e netos vivendo na indigência por causa do seu ato pecaminoso..
Naquela noite leu e releu a passagem bíblica do encontro de Zaqueu com Jesus e começou a desejar saber quem era Jesus. Primeiro ele descobriu que Jesus era “Filho do homem”, no que se assemelhava a ele. O chefe da estação sentiu-se esperançoso por poder tratar o seu assunto com Deus, de homem para homem. Pediu então perdão para Deus reconhecendo finalmente o ensinamento que muitas vezes tinha ouvido da boca de Cordeiro de Semente, que sempre afirmou que Deus ouve àqueles que crêem que Jesus veio do céu para “buscar e salvar o que se havia perdido”.
Depois da oração cessaram as aflições provocadas pelo remorso de ter prejudicado um homem com a fraude que cometeu.
No dia seguinte acordou cedo, antes mesmo da mulher que costumava precede-lo a fim de preparar-lhe o desjejum. Gozava de uma nova disposição. Os temores de perder a boa posição alcançada pelo cargo de chefe da estação de Ponta Grossa tinham desaparecido. Comunicou para a mulher que iria até Curitiba pois tinha assunto urgente para tratar com a direção da estrada de ferro.
Antes de embarcar no primeiro trem, telegrafou para a Capital do estado acertando um encontro com o seu engenheiro-chefe. Depois passou algumas instruções para o seu subordinado na chefia da estação que ocuparia o seu lugar no comando.

O relatório 
No prédio onde funcionava a direção da estrada de ferro em Curitiba o chefe da estação de Ponta Grossa encontrou antigos colegas. Na medida em que os encontrava, ele os saudava com entusiasmo e estes apresentavam outros colegas muito jovens, alguns já ocupando cargos de chefia na administração da estrada de ferro.  “Era a renovação chegando”, pensou ele subindo a escadaria que o levaria ao andar superior onde encontraria o engenheiro-chefe da ferrovia. Este o aguardava e depois das apresentações e saudações o fez sentar numa cadeira em frente da sua secretária. Uma pasta volumosa estava sobre ela e o chefe da estação deteve o olhar sobre ela.
     É o seu dossiê — disse o engenheiro — mandei que mo trouxessem quando marquei este encontro que você pediu, pois o assunto poderia estar ligado à sua brilhante carreira de ferroviário.
        — Pode ser útil... — respondeu o chefe de estação.
        — Creio que você gostará de saber que prestamos concurso no mesmo dia.
        — Na ocasião a estrada de ferro também estava recrutando pessoal para a direção? — perguntou o chefe de estação.
        — Eu também concorri para a vaga de chefe de estação. Mas perdi a última vaga para você.
        “Então era o seu engenheiro-chefe que tinha sido prejudicado com a sua farsa”, pensou o chefe de estação boquiaberto e emudecido pela revelação.
        — Mas acabei me saindo melhor do que você. Eu estava concluindo o meu curso superior e o novo presidente da estrada de ferro me convidou para assumir lugar na direção, pois o meu currículo era condizente com as exigências do cargo que ele queria preencher. Além disso, ele confiava na boa influência que as pessoas honestas transmitem para as próximas gerações, pois conhecia bem o meu pai, maquinista antigo da estrada de ferro e seu amigo íntimo.
        O chefe de estação sorria de pura satisfação e o engenheiro parecia interessado em saber por que. Contou-lhe tudo. Inclusive a forma dolosa como se apropriara das questões que iriam cair na prova, aproveitando-se da boa amizade do seu pai, descendente da primeira geração formada pelos intrépidos maquinistas que desbravaram as regiões por onde a ferrovia assentou os seus trilhos e que privava da amizade de funcionários graduados da estrada de ferro. Depois concluiu:
        — Vim pedir minha exoneração do cargo que ocupo, pois não o mereço. Além disso, alguém deve ter sido prejudicado por mim.
        — Eu fui o único que ficou sem a vaga de chefe de estação — disse-lhe o engenheiro com gravidade. — Vou encaminhar o seu pedido à presidência da companhia, mas, se me permitir, recomendarei o perdão da falta, pois o que a estrada de ferro mais precisa é de chefes de estação honestos.
O novo lugar
        O chefe de estação voltou para Ponta Grossa na condição de chefe de estação re-contratado, pois havia sido exonerado pela falta cometida e readmitido por indicação do engenheiro-chefe. Reassumiu a chefia da estação de trens e assumiu o lugar que Cristo lhe tinha reservado no seu redil.
        O seu antigo dossiê, maculado pela marca do pecado, foi destruído. Quanto ao novo, o Espírito Santo de Deus certamente providenciaria para que permanecesse sem mácula até ao dia em que Cristo o viesse buscar.

(1) Lucas 19:1-10 

Poema de alerta para os tempos atuais

Quem escuta assume compromisso!
E às vezes sendo fato sigiloso,
Cai no ouvido de malandro manhoso,
Que pode usar de esperteza com isso

Cuidado com fala ao telefone
Revelando o que agrada a pirata
Que transforma o dito numa duplicata
A escapar de tua mão como ciclone

Hoje, muitos estão espionando,
Pra gente graúda e perigosa,
Querendo roubar logo uma grosa

Eles são mandantes é de bando,
Que nem pensa em traição ao comando.
Cuidado, que é gente inescrupulosa!

Carlos Mendes©

31/mai/2013

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Poética




Lembranças ancestrais
                            Carlos Mendes

Depois de bisavô, nebulosas
Sombras que só vemos em fotos
Por serem de passados remotos
E sem recordações amorosas.

Ninguém tem memória de quem
Viveu num antanho distante,
Perdido em lembrança errante,
De um outro, que lhe quis bem.

                                 A tua lembrança de alguém
                                 Torna-se ela cambiante
                                 Doutro seguindo bem adiante

                                 Por isso não podes ir além
                                 Da compreensão que o outro tem,
                                 Do teu movimento andante[1].


Soneto com um pouco das culturas filológica e antropológica
(Baseado no Romance das Palavras do filólogo Pedro Luft, Ed. Ática / Verbetes: ABAVÔ, ABAVÚNCULO E ABÂMITA)

 [1] (Mús.) Diz-se de ou trecho de andamento moderado, entre adágio e alegro.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Nem médio somos! Estamos entre os menores da América do Sul


Kindle Blog Brasil

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quinta-feira, 23 de junho de 2011

O que a leitura faz pela humanidade?

" Nunca li um livro inteiro.                                                                                                                                                Na época da escola, copiava os resumos                                                                                da internet para fazer as provas."                                                                                                               Thor Batista, para  Veja Rio
Semana passada li essa citação na revista Veja nacional, na mesma hora minha mente começou a fervilhar.
Para quem não conhece, o autor dessa declaração é nada mais nada menos do que o herdeiro primogênito do 6º homem mais rico do planeta, o Sr. Eike Batista, detentor de um patrimônio na ordem de 30 bilhões de dólares.

Relevando que o rapaz só tem 19 anos, e que essa declaração refere-se a uma época mais imatura de sua vida, vi além do indivíduo e fiz a seguinte reflexão.

Thor não é um jovem brasileiro comum, aos 19, ele tem mais dinheiro que eu terei em minha vida inteira, mas temos algo em comum, a sorte de termos tido pais que nos proporcionaram o privilégio de estudar em boas escolas.

Essa fato, nos destaca dos 14 milhões de brasileiros analfabetos (IPEA, 2010) que terão poucas oportunidades de crescimento na vida. Que dificilmente conseguiram ler um jornal ou uma revista, e que serão facilmente manipulados durante o período eleitoral.

Porém, o que mais me preocupa não são os analfabetos completos, mas sim os funcionais, aqueles que sabem juntar signos para formar palavras, que são capazes de juntar palavras para formar frases, e fazem isso linha por linha, até que no final da página, não sabem o que leram, pois não conseguem interpretar.

Infelizmente, o analfabetismo funcional (analfabeto rudimentar e alfabetizado básico) atinge 68% da população brasileira (IPM-IBOPE,2009). Apesar das queda desse índice ao longo dos anos, ainda encontra-se em um patamar elevado quando comparado a países como Chile e Argentina (UNESCO).

As causas apontadas para esses tristes índices são variadas e orbitam a educação.

Entretanto,  a causa que é o objeto desse artigo, e porque não desse blog, é a leitura, ou melhor, a falta dessa.

A leitura é responsável pela expansão da mente do indivíduo, contudo, como qualquer exercício, é necessário praticar. Assim, quem lê constantemente, consegue ler mais rápido, mais atentamente, mais criticamente, mais prazerosamente.

Por isso, os analfabetos funcionais, incluindo o príncipe Thor Batista, ou mesmo eu há alguns anos, podem deixar se aprimorar a medida que insiram a prática de leitura no dia a dia (agora sem hífen), começando com textos simples e curtos, como jornal, e seguindo, ao passo que se ganhe confiança, a romances e teses.

Mas o que o individuo, ou o Thor Batista,  vai ganhar com isso?

Ganha-se o mundo.

Inicialmente, ganha-se o prazer simples da leitura: reduz estresse, exercita a imaginação, estimula o pensamento abstrato.

Em seguida, proporciona-se ao cérebro a formação de novas conexões neurais, possibilitando que o cérebro tenha respostas mais rápidas, aumentando a capacidade imagética e argumentativa, além da memória (ver mais em Os benefícos da leitura para o cérebro).

Além disso, quem lê ganha habilidade de argumentação mais consistente, impulsionado pelo implemento do pensamento analítico e da melhora do vocabulário que também incide na melhora da escrita.

Mas tudo isso, na verdade se torna menos importante diante do grande ganho com a leitura: a aquisição de conhecimento.

A leitura é o "atravessador" das informações escritas em um texto para a mente do indivíduo, e se essas "mercadorias ( as informações) forem relevantes, o conhecimento adquirido nessa "transação" é capaz de produzir outras mercadorias ou mesmo conduzir a outros textos que te levarão a outras mercadorias, e assim por diante, num fluxo infindável de conhecimento.

E conhecimento é a mola que movimenta a humanidade.

Como disse o grande visionário Monteiro Lobato "Um país se faz com homens e livros.". Por isso, não importa o que você lê, apenas leia com afinco.

Com a revolução dos livros digitais, espero que a leitura possa ser mais democrática alcançando mais pessoas superando as barreiras físicas e políticas.

Thor Batista, se caso um dia ler esse humilde texto, faça um favor ao seu país, invista num projeto social para montar bibliotecas nas cidades carentes de nosso Brasil, siga o exemplo e tantos outros.
Emanuel Maciel1 comentários Links para esta postagem

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Crônica e poema


Uma história de velho
                                                 Carlos Mendes
             
Tentava viver como um homem, apesar do contexto cultural muito próximo dos antropóides, mas achava que fracassava, pois a sua velhice não era respeitada. Não admitia ouvir dizer que atravessava um período natural da vida, ocasião em que tentavam reduzir a sua ansiedade aos distúrbios orgânicos, pois apesar dos setenta anos, eles não o perturbavam. O que abundavam eram os preconceitos, estes sim, concluía ele se defendendo contra a solidão e o afastamento de pessoas de outras faixas etárias.
Devíamos aprender com os japoneses para evitarmos a fragmentação familiar – acrescentava para compactar os argumentos da tese que agora expunha, embasada na integridade de uma vida de perfeito relacionamento com os seus falecidos pais.
Tinha consciência da aproximação do fim da vida, pois há mais de dez anos cessara a sua atividade profissional por aposentadoria. Não aceitava a velhice como um conjunto de situações a promoverem a inutilidade de um velho como ele, e mais desejava ainda preparar a sua descendência para enfrentar com dignidade o declínio que agora experimentava na sua própria existência.
Mas a dignidade pessoal escoava-se inexoravelmente, tornando-se precários os meios para a sua subsistência, que se agravava na medida em que se desvalorizava o trabalho dos que ainda eram economicamente ativos. Até que a soma das pensões dele e da mulher só conseguia colocar à mesa frugais alimentações.
Os filhos começaram a falar que o melhor para os pais era viverem numa instituição para idosos, onde o convívio lhes seria mais apropriado, e ele, ao ouvir repetir-se o argumento que seu irmãos também usaram em relação a seus pais, prevenia-se contra um ataque às suas economias.
Como era poeta e temia a Deus, apresentou-Lhe suas súplicas através de um soneto que intitulou:

“Súplicas por um tempo sem fim”
Os calendários e relógios / São circunlóquios enganosos. / Nos campanários soam horas, / Nos almanaques correm meses

Imperturbáveis cronológicos / Marcam meus passos temerosos / Nos vãos minutos que demoras / Minh’alma sofre tantas vezes.

Os aconchegos, pressurosos, / Lançam de si pobres caiporas / Aos recolhidos como reses.

Ó fim da vida, passos vagarosos! / Não chegais nunca? Não tendes horas, / Ou não ouvis meus anelos fragorosos?

04-11-2002.

© Carlos Mendes (1932 - ) - Autor do romance O Milênio e o Tempo