Solidariedade
responsável
Carlos
Mendes
Como se encadearão os poderes da
mente e por que alguns são mais potentes? Se “a razão é a maneira de organizar
a realidade pela qual esta se torna compreensível” (MARILENA CHAUI, Convite à
Filosofia, 5ª Ed. p. 59), como compreender a realidade da existência crescente
de indivíduos buscando a estupefação provocada pelo consumo do álcool e outros
tóxicos? Qual o valor intuído das drogas por parte dos iniciantes? Terá alguém
a possibilidade de formar sobre o uso das drogas, e seus efeitos, uma
compreensão global e instantânea? Um sonoro NÃO! será a resposta lógica para
esta última questão, o que me anima a formular uma teoria a respeito do
ingresso dos indivíduos no mundo dos drogados: na grande maioria, eles são
convencidos ou persuadidos a essa experiência estupefaciente, como se pudessem,
pelo seu consumo, conseguir mágicos benefícios.
Vimos essa nossa
teoria corroborada pelo pronunciamento do Sr. Odair Cano Honório(*), presidente
do C.A.V., quando fomos entrevistados num programa de rádio. Na ocasião o Sr.
Odair apresentou dados estatísticos de algumas pesquisas que indicam serem os
amigos e colegas dos dependentes os principais agentes de promoção desse
maléfico hábito de consumo. Nessas pesquisas os traficantes apareciam em
terceiro lugar, como promotores desse maléfico uso.
Com efeito, passar
do juízo de fato ao juízo de valor é responsabilidade demasiada para quem ainda
não viveu o fato ou ainda não adquiriu experiência suficiente para bem calcular
as conseqüências de seus atos: “Como se pode observar, senso moral e
consciência moral são inseparáveis da vida cultural; uma vez que esta define
para seus membros os valores positivos e negativos que devem respeitar ou
detestar”. (Opus cit., p. 336)
A solidariedade nos
leva a participar dos problemas alheios, mas quando o meio social é formado por
indivíduos que ainda não aprenderam a trabalhar bem com os critérios, dele não
se pode esperar uma boa escolha dos valores.
Nos dias atuais nós
temos ouvido falar muito sobre prevenção contra o uso de drogas. O meio mais
eficaz continua sendo o da manutenção de uma boa convivência familiar onde,
começando pela iniciativa de pais ou tutores, seja possível estabelecer diálogos
permanentes, francos e abertos sobre todos os problemas da vida. Essa fórmula
exige dedicação e humildade e se quisermos nos dedicar ao bem estar da família
teremos, muitas vezes, que renunciar nossas prioridades pessoais. Já o
comportamento humilde é bem mais difícil de trabalhar em nós mesmos. Em contra
partida, ele é denunciador da verdadeira nobreza dos caracteres. É a feição
fundamental que constrange os pais a admitirem, perante seus próprios filhos,
que precisarão de algum tempo para responder com certeza a respeito das
questões sobre as quais admitem não estarem bem preparados no momento.
O diálogo em família
não tem o poder de evitar o assédio dos conselheiros imaturos. Mas se o
praticarmos com perseverança, haveremos de conhecer que dele será, aos poucos,
a última palavra sobre todos os problemas da vida. Tanto para os filhos quanto
para os pais.
Publicado em 07.01.97,
jornal Correio do ABC
(*) Ainda jovem, foi organizador
e presidente do “CAV - Centro de Auxílio à Vida”. O Sr. Odair era um
ex-dependente de drogar que, recuperado, consagrou-se à nobre causa de auxiliar
muitos dependentes químicos. Em 1997 eu servi o CAV em tempo integral e durante
10 meses consecutivos, sob a competente direção do Sr. Odair, tanto como
palestrante, quanto como consultor administrativo e conselheiro junto aos
recuperandos, isto com ênfase focada na sua reintegração profissional útil na
sociedade depois de à ela devolvidos já recuperados.
Com a reedição deste atual
artigo, presto minha sincera homenagem ao senhor Odair. Por informação recebida
na semana passada, fiquei sabendo que este grande homem, cuja obra realizada no
CAV, que ajudou a tantos outros a se recuperarem das dependências químicas,
fora assassinado depois de sucumbir novamente à dependência delas.
“A quem honra, honra” (Romanos
13:7).
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