sábado, 12 de janeiro de 2013

Conto Ligeiro


Subia ao quarto levando um prato de sopa fria.

       “Fria, quem sabe ele toma”, pensava ela lembrando das grandes vesículas ao redor da boca e espalhadas por todo corpo do marido, prostrado no leito onde ardia em febre.
Olhou com carinho para o prato com a sopa, que preparara com esmero usando as verduras e legumes na horta cultivada com adubo orgânico no fundo da casa, de onde tiravam o sustento vendendo-os na feira local.
Quando já entrava no quarto, soou a busina de um carro.
 Será a Guiomar? - sussurrou largando o prato sobre o criado-mudo ao lado da cama para ir à janela verificar, admirando-se ao vê-la batendo a porta do carro.
 Chegaste rápido demais... Não devias correr tanto na estrada.
― Saí de madrugada e assim que me telefonastes—respondeu Guiomar abraçando a cunhada a quem aprendera a estimar depois de vencer o preconceito dos tolos.
Depois, examinando atentamente o irmão disse para a cunhada:
― Isso que o Diogo tem é varíora!
Não conhecendo a gravidade da enfermidade do marido ela sorria, atoleimada.
A herdade onde morava ficava distante de recursos e nela um único médico exercia lá a medicina.
― Precisamos levá-lo bem depressa para a minha cidade — disse Guiomar assustando a cunhada.
A varíola já causara estragos irremediáveis à saúde de Diogo, que faleceu no dia seguinte ao de sua entrada no hospital, e Guiomar convidou a cunhada para morar consigo, e esta deixou-se convencer facilmente, pois além da cunhada nenhum outro parente ela conhecia.    Além disso o convite agradou-a, pois aprendera a amar a cunhada pelo que dele lhe contava o falecido marido.

    Querida, eu não quero ver-te acanhada com nada — disse Guinar ao apresentar todos os cômodos da casa à cunhada, procurando deixá-la tão à vontade  em sua casa quanto se sentia morando com Diogo na cidadezinha do interior.
      Você gosta de assistir televisão?
      Lá na roça só o prefeito e o dono do armazém têm televisão. Eu e o Diogo gostávamos mais é de conversar.
      É..., é muito bom a gente conversar com quem se ama—disse Guiomar após um longo suspiro ao lembrar que o mais que fizera na vida fora enriquecer.
      No dia seguinte Guiomar dispensou as empregadas para poder apegar-se mais à cunhada, com quem concluiu todas as tarefas do dia e conversou animadamente.
       Chegada a noite ligou, por hábito, a televisão, mas continuou faladeira, acontecendo o contrário com a cunhada que parecia estar gostando de assistir o noticiário noturno. Mas em dado momento Guiomar viu que ela arregalara os olhos sobre o rosto que tornara-se muito pálido.
       Guiomar também calou-se deitando o olhar sobre o noticiário e ouvindo um repórter que falava sobre uma possível epidemia de varíola entre os norte-americanos, ameaçados que estavam por terroristas que intentavam jogar sobre eles bombas contendo o terrível  vírus dessa moléstia.


Escrito em 27/09/2003
Carlos Mendes  

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