segunda-feira, 8 de abril de 2013

O Arbítrio Conto de: Carlos Mendes


    Personagens:
         O Arbítrio
         Personagens:
         Arbítrio, narrador e personagem principal da história.
         Castão, Moralista que vive fazendo sermões.
         Infausto, É o protagonista que vê desgraça em tudo.
         Pôla, personagem que interage como opositora ao arbítrio, que a quer convencer sobre os bons arbítrios.
         Pureza e Trindade, personagens figurantes. Tímidos, eles interagem mais como ouvintes e espectadores; são agentes passivos que deixam conhecer os seus sentimentos íntimos pelo que pensam e pelas reações emotivas que transparecem nos seus gestos e expressões fisionômicas.
         Santelo, é o personagem que pertence a memorialista de Arbítrio, que cita ensinamentos deste mestre para sustentar suas exortações. Santelo é o paradigma do “pescador de homens”, vindo daí o seu nome. Os fatos ligados a este personagem são verossímeis, pois eles estão ligados a fatos reais que o autor deste Conto Ligeiro ouviu de seu pai.
         Informações sobre o texto
                Frases e períodos do conto ligeiro O Arbítrio foram escritos com palavras do mesmo grupo fonético, o que emprestou sonoridade à audição da obra, se declamada. O leitor também encontrará alguns ornamentos de linguagem que atenderam o propósito de emprestar-lhe um quê poético.   


O Arbítrio


Quando Santelo se fixou por ali, logo todos o consideraram cheio de paixão pelas almas. Pôla, como era conhecida Paula pelo feito lingüístico do irmão caçula  ao  balbuciar-lhe o nome pela primeira vez, chamou para si a atenção com o costumeiro e ruidoso muxoxo que fazia quando ouvia o que não a agradava.
       — Paixão é coisa que se tem pelo concreto – disse sacudindo as pernas curtas abaixo das saliências laterais das fartas nádegas esparramadas pelo assento da cadeira, embora premidas pela calça de fustão turquesa que trajava.
       Sentado na poltrona em frente de Arbítrio, que sempre lhe fornecia a base dos pensamentos, e prior natural das questões colocadas para o grupo, Castão tinha a carranca fechada e olhos postos em Pôla, tola perante o seu parecer. Não ficou só na carranca. Foi prontamente falando:
       — Sem fé não se tem chance de conhecer os postulados da Palavra...
       Da discrição passou para o conselho:
       — Ó Pola, deixe a boa visão de Deus governar os teus zelos.
       — Gosto do vocativo dessa zanga do Castão – disse Infausto juntando-se à valorosa demanda. – Duro juízo vem!..., bradou valorizando o “vem” do vaticínio.
       — Os sermões do Santelo destinavam-se a pequenos peixes – balbuciou Pôla amuada.
       — Porque preferia trabalhar com os desvalidos?... És capaz de compreender o quanto procurava preparar-se para chegar a eles? – defendeu Arbítrio.
       — Qual a cultura desses pobres párias para que precisasse de preparo? – Póla continuava sarcástica.
       — Significação cheia de parcialidade. Pecado que pode conduzir-te ao subterrâneo dos falecidos! – proclamou Infausto.
       A volúvel zombaria de Pôla não justificava a fala fatídica de Infausto, julgou Arbítrio. Enquanto vivesse seria viável a sua salvação. 
       — Santelo zelava pela liberdade real
       — Real ou sonho sem sentido? – zunil a sibilante reação de Póla.
       Calando-se quanto ao rumo da conversa, Arbítrio governou o conselho com a razão do seu Rei.
       — Falsidades são todas as coisas que conhecemos; não são feitas do que parecem ser. Se te puseres a calcular a tua felicidade por elas, falharás! – pregou Castão.
       — E amor ardente não olha o aparente. O mundão é lindo, mas só tem presente.  Ele não terá mais amanhã quando findar – suave e lento Arbítrio ia falando.

       Pôla ficou calada e ele continuou tentando convencê-la da etérea existência da alma, objeto da paixão de Santelo.
       — Jovem baderneiro ganhava duvidosamente a vida. Santelo, vizinho dele, garantiu-lhe a vulgaridade do seu viver desbaratado. Vejam o jeito do jambeiro... – disse Arbítrio com voz de zéfiro. – ...Sua pequena tela se fechando para pegar esse peixe tão chué, pequeno, todo tisnado de tantos pecados.
       Fez pausa para pensar.
             Pôla botou as mãos nos bolsos da jaqueta vendo Castão boquiaberto e Infausto vangloriando-se da desdita do jovem vilão bem descrito por Arbítrio.
       — Transformou-se o mal menino?
       Castão perguntava e Pôla se chateava pelo feito. Ficavam calados os bons de ouvido. Um era o Trindade, chamado assim pela fé dos pais nas três pessoas do Todo Poderoso, ao se converterem. Do sexo feminino era quem se sentava próximo de Castão; se chamava Pureza e tinha procedimento condizente com o nome.
       — A bondade de Deus deu-lhe a vida e Santelo dedicou-se a guiá-lo na busca do galardão zenital – disse Arbítrio jubiloso.
       Infausto falou do trágico fim de Pôla, chamando-a de perdida contumaz caso ficasse titubeante perante o sacrifício de Cristo. 
       — Vê bem, Pôla: justiça deve governar a vida e Deus gosta da bondade – garantiu Castão.
       — Conta-se que Santelo, dia ainda cedo, com unção de talento procurava sem pejo jagunço violento. Achou-o desbotado, sem cor e sem fama debruçado num balcão tomando uma Brama. Justo em bar de ladrão entregando volantes, estendeu a sua mão ao violento vilão. Palavras vibrantes de misericórdia provocaram discórdia entre os meliantes. Ameaçou Santelo o vilão mais franzino vibrando um martelo. Outro, o Tomazino, punhos qual cutelo, defendeu o Santelo.
       Com zombaria no olhar relutante e laborando solapar o raciocínio, Pôla ruminou:
       — Pões contos da carochinha no argumento. No fundo tal situação não se sustenta.
       — Sem falsidade te falo. E conto fatos consumados pela pregação da fé em Cristo  perante tantos quantos creram.
       — Tens de outro um testemunho não duvidoso?
       Arbítrio girou o olhar e falou:
       — Lembro de um bom para contar.
       Pôla, mãos guardadas nos bolsos, verga-se devagar e engole a baba para não vazar da boca já disposta a balbuciar suas dúvidas.
       — Teu ceticismo transparece sem pronunciares palavra – falou Castão com semblante tristonho.
       — Ainda que talentoso o argumento, bem a voz calando, Pôla nem no amanhã se encontrará diante da senda da esperança – sentenciou Infausto.
       O taciturno Trindade e a sincera Pureza pareciam querer chorar. Suspiraram calando o pranto pronto para corromper sentimentos chocantes.
       Almas bondosas e desgostadas com a vetusta injustiça da vida debalde vivida.
       Parece que os feridos cuidados da paixão pelas almas sacudiram os sentimentos de Pôla, pensou Arbítrio se animando a contar-lhe a história.
— Certa vez Santelo conheceu um comerciante que se proclamava ateu. Materialista e bem de posses ele tinha certezas confusas, pois freqüentava sessões espíritas...
       — Materialista, mas não muito!
       Pôla manifestava anuência. Muitas noites e até em madrugadas manipulou seu gnomo.
       — O que o comerciante fazia? – perguntou Castão.
       — Tinha empresa de construção civil e sócio pouco fiel. Quando construía outro  salão  de  cultos para uma igreja conheceu o congregado Santelo e contou-lhe que o sócio o estava fraudando tanto que, fatalmente, perderia  a sua parte na sociedade. Se tal acontecesse, o mataria; nem mais nem menos, pois a sobrevivência da família dependia da firma.
       Pureza desgostou-se diante da ostentosa violência.
       Arbítrio demorou para continuar. Parou, tossiu, percebeu a comoção e prosseguiu:
       — O homem tinha necessidade de dizer-lhe tudo e esperava conhecer melhor conselho para se livrar do medo de “pirar”. Contou todos os seus cuidados a Santelo e perguntou-lhe:
       — “O quê eu posso fazer?”
       — “Confiar” – foi a resposta.
       — “No quê?”
       — “No quê não.”
       — “Em quem?!...”
       — “Sim, em Cristo!”  foi a palavra de poder de Santelo.  O comerciante queria confiar, tão precisado estava de solução para o seu caso. Depois de dias e já gozando boa disposição voltou a avistar-se com Santelo e lhe disse:
       — “Desafiei Jesus!”
       — “Qual o repto?”
       — “Falei-lhe: Te chamam Filho de Deus; se podes compadecer-te, prova-me solucionando o problema que tenho.”
       — “Qual a resposta?”
       — “Silenciosa e real!”
       — “Ganhaste um Rei?”
       — “Sim, um Monarca bom e majestoso!”
       Pôla tinha colocado um chiclete na boca e Castão falou que o seu consumo não tinha proveito. Só provocava ferida no estômago!
       — Quem gosta de bobagens verá jorrar os danos das gulodices descontroladas – vaticinou Infausto.
       Tirando os pés do travessão de apoio da cadeira, mãos postas no assento e abaixo das cochas, Pôla começou a sacudir as pernas curtas. Indiferente, punha os seus olhos ora no pregador ora no profeta de tragédias. Ia preparando com a língua a pasta do chiclete até se fazer uma película fina que prendeu aos lábios. Soprou uma bola que foi aumentando até estourar. O chiclete se lhe pegou aos lábios e nariz. Ela o lambeu e começou uma Mastigação barulhenta simbolizando o seu desprezo total pela pregação e advertência dos dois. A seguir falou enfrentando a feição pacífica de Arbítrio:
       — Desejas tornar-nos nativistas das tradições fenomenais; não duvido da tua narrativa. Todavia tal notícia não faz parte do dia a dia dos denominados discípulos de Jesus.
       — Argumentas com a realidade, mas não granjeias razão; quanto relatei, garanto. A Graça não é remédio contumaz, ainda que se compraza no governo dos remidos por Cristo.
       Arbítrio conservava o olhar sereno fixado na face de Póla, que se quedava calada.
       — Sob o sol se acham pântanos infestados por sucuris e prados cheios de flores; tem também a fé dos fiéis que consterna o coração do Santo Pai a conservá-los em portos seguros. Mas é na bondade de Deus que o justo alcança galardão, bastando vigiar boa jornada que agrade o seu juízo, onde desponta o desejo de ganhar viajores vindos da desventura, jornada de volta dos justificados por Jesus.
       — Sem essa lealdade sujeitam-se à ruína? – zomba a relutante Pôla.
       — Não há diferença. Justos e injustos estão debaixo do juízo de Deus.
       — A desgraça vem de Deus? – pergunta Pureza, bisonha.
       — A verdade vem de Deus. A desgraça vem do homem, por deter a verdade em injustiça, julgou um dia Santelo com base na Bíblia e diante de alguém que jogou esse argumento.
       — Que confusão!
       — Compreende, Pôla – falou Arbítrio em seu socorro –, o conhecimento sem a fé sustenta a falsidade.
       — Considero fanatismo pensar que o sujeito do conhecimento só será capaz de proposições verdadeiras se tiver a tua fé – argumentou Pôla em testemunho da sua capacidade filosófica.
       — Ponderando sobre a falsidade – falou Arbítrio sem se perturbar – a sua preocupação é com o conseqüente sem considerar o antecedente. Se chamamos verdadeira a coisa criada, fica sem sustento a ponderação da criação por um poder passivo. Falsidade filosófica, portanto.
       — Podemos falsificar o processo criativo, Pôla? – perguntou Pureza
       — A falsidade troca confidências com a perdição quando pondera sobre o fato e conclui que ele é cousa surgida sem causa produtora – acrescentou Infausto.
       — Deus não se agrada da dúvida do viandante...
       — Com farnel de boas obras, o breu da noite nos devolve à vida – interrompeu Pôla a fala de Castão, cuspindo o chiclete na cesta de papel atrás de sua cadeira.
       — Lembro de um caso contado por Santelo...
       Arbítrio tinha os dedos trançados e anúncio no olhar ditoso.
       — Galdino, que trabalhava de engenheiro e tinha casa perto de uma paróquia, foi visitado por Santelo já na virada da sua vida. Lia suas literaturas religiosas na sala onde estavam misturadas publicações espíritas, mapas zodiacais, Bíblias azuis, amarelas e pretas; pequenos boletins da paróquia, bandeiras místicas, pés de coelhos, mantas de presbíteros. Santelo fez-se anunciar falando que trazia convite para a família participar de uma importante cerimônia. Diante daquela galeria de objetos no interior da casa –  coisas como a garantir a bem-aventurança de Deus – deparando-se com as Bíblias pergunta:
       — “Crês na Bíblia?”
       — “Creio – garante Galdino e continua:      — “És religioso?”
       — “Sou pescador de homens, conheces a frase?’
       Galdino afunda na cadeira, receando o rumo da conversa.
       — “Crês que a Bíblia é a Palavra de Deus?”
       — “Não tenho nenhuma dúvida disso”.
       — “Crês em Jesus?” – seguiu perguntando o Santelo.
       O “creio” era pouco convincente.
       — “Quem é Jesus?” – Santelo queria saber qual o tipo de fé de Galdino em Cristo.
       — “Entre os espíritos luminares ele seria o sol.”
       — “Crês que Ele é o filho do Todo Poderoso?”
       — “Não.”
       — “A Palavra pode confirmar que sim.”
       — “Mostra-me, então” – desafia Galdino.
       — “Qual a Bíblia que eu posso usar?” – pergunta Santelo apontando para as que estavam na prateleira próxima.
       — “Aquela ali” – aponta Galdino para uma delas.
       — “Essa é a única que não serve, e creio que  sabes disso.”
       — “Então escolhe a que quiseres.”
       Santelo estende a mão e pega a Bíblia editada pelos espíritas. Galdino sorri sapientíssimo e acompanha a busca de Santelo na Bíblia até começar a ditar-lhe a passagem:
       — “Tomé respondeu e disse-lhe: Senhor meu e Deus meu! Disse-lhe Jesus: Porque me viste, Tomé, creste?;...”
       — “Não terá Tomé exclamado para Deus numa tontura extática?”
       Santelo esperava por essa proclamação faltosa de fé. Procura outro texto, procura mais outro...
       Ao fim de dez passagens despedem-se. A porta de saída do quintal Galdino diz:
       — “Agora só falta ouvir o que o pároco tem a falar.”
       Lá no final da rua Santelo olha à ré. Galdino faz-lhe um sinal. A mão parece pequena no aceno indecifrável.
            No grupo, alguns aguardavam um bom júbilo; desgosto visível em Pureza e zanga jucunda em Pola.
       — Faz-me o favor de falar: qual das tuas falácias se pode considerar?
       — Olha aqui, ó Castão, caça na massa cefálica mórbida centelha de fé, pois quem não tem querer, precisa crer.
       — Não duvidas do teu dito? – diz Arbítrio tristonho. – Tanto Deus nos deu; tudo nos deixou! Dentro de nós ou não, de nosso nada temos. É tudo dele!
       — Jazer na grandeza duvidosa é considerar a basbaque direção visionária.
       — Pensas como tola; te cansas com a dança terreal. Com fé podias trocar o passo dessa polca e dançar o balé do Criador.
             — Proponho o tema fraternidade! “Pondera, ó chato Castão, se tens projeto superior para considerarmos”, pensou Pôla após a fala, querendo fazer conhecida sua superioridade filosófica.
       — Qual a gnose?
       Pôla calou, gaguejou com a questão, gargarejou ruídos querendo contestar o gongorismo.(*)
       — É o ganho religioso que te contenta! - completou Castão rumorejante.
       — Vamos debater governados do bom juízo? disse Arbítrio aos dois zangados.
       — Como ponderar sobre a fraternidade? Se a chamamos de sentimento fiel temos de conceituar a fidelidade.
       — O que é ser fiel, Castão? – pergunta Pôla.
       — Diria isso de um dom governo verdadeiro.
       — Mente: é boa probabilidade?
       — Materialmente pode mostrar-se boa. Mas precisa de bondade para o bem produzir.
       — E Bondade é virtude divina – garante Arbítrio –. Em gente vil bondade vem e vai. Virtude é gestão vencedora de Deus.

       — Subjugastes fraternidade aos predicados supremos e fostes perspicaz – pondera Póla –. E igualdade, podemos tê-la com o Supremo?
       — Esse tema seduz, sibila Pureza.
       — O Todo-Poderoso nos fez do pó. Contudo, pode tudo o Senhor e chamou-nos para Si pelo Filho querido, que é tal qual somos.
       — Falas sobre o Cristo?
       — Sim, Jesus fez-se homem e salvou-nos da vil separação.
       “A Pôla muda para a banda bendita?”, pondera Pureza.
       “Deixa-se nascer de novo!”, não titubeia o Trindade.
       “Vê, afinal, a justiça !”, julga Infausto, visivelmente feliz.
       — Cristo te salva e te faz filha do Pai! – exclama Castão querendo persuadir a titubeante Pôla.

       Tudo isso pensam e falam num dia que se chama: hoje! Passado histórico imperando sem se tornar impositivo.
       “Querem retê-la no redil.”
       “Rogam ganhá-la para Cristo.”
       Pôla rola os olhos. Pondera a fé em todos. Sente claudicar o pulsar do compromisso e fecha-se na ponderação das possibilidades tantas que chamam de fé.
       — Se restringe a liberdade? Sob a realeza zenital estarei subjugada?
       — Liberdade zanga com a realidade se levares a sério o zanzar desta lida.
       — Jorra do jacá de Deus?
       — O Senhor a tem em si, pois é o Todo-Poderoso. Tú podes tudo ó Pôla?
       — A Bíblia diz: “Deus é espírito”. Na jeira* de Deus o governo é dos espíritos.
       — Voltas ao gnosticismo espiritualista.
       — É gnose comprovada – garante Pôla.
       — Te sustentaste na Palavra e agora foges tentando as fracas possibilidades kardecistas. Se crês em tudo, te faltarão convicções. Falar pela Palavra é suficiente.
            Arbítrio levava a rixa pelas rédeas da lealdade. Sozinho, o zelo do seu Rei se impunha. Calavam-se os demais percebendo a tutelar garantia da Palavra de Deus, pois ele botava boca afora os conselhos da Bíblia.
       — Por que temeria eu se falhassem as promessas do Todo-Poderoso conforme as tenho na Sua Palavra e estivesses tú certa?    — Conforme os kardecistas eu tornaria a ser.
             — Contudo, se falharem os kardecistas e forem certas as palavras do testemunho dos profetas, que possibilidade terás de ser chamada ao céu, se para o além partires sem Cristo?
       Pôla parecia gelada, pois tinha as bochechas desbotadas. Arbítrio dirigiu-lhe um gesto bondoso, como a dizer-lhe: queda-te confiante. Depois continuou:
       — Falaste: “Com farnel de boas obras, o breu da noite nos devolve à vida”. Julga bem: Deixará Deus dois espíritos vivendo na vileza* e vasculhando a jeira Dele?
       “Mostra-se minguado o bom senso de Pôla” ? pondera a bondosa Pureza.
       “Debate-se na dúvida”? – deduz Trindade.
            “Sente-se reprovada diante das zelosas sutilezas daquele seguidor do Senhor? –  reflete Infausto.
       Cabisbaixa, Pôla sacode as pernas.
       — Quantas tolices tenho pensado sobre tudo quanto pedes para pronunciar-me. Presentemente posso calcular que tudo quanto eu cria era falso. Quero a Cristo tanto quanto tenho percebido ser o querer de todos os chamados seus.
       Assim, lindo mundo mostrou um novo amanhã conquistado por Pôla.





*gongorismo - excesso de metáforas, antíteses e anástrofes
*jeira - A extensão de terreno que uma junta de bois pode arar num dia
*vileza - que vive numa vida

Sem comentários:

Enviar um comentário