segunda-feira, 22 de abril de 2013

Crônica


A razão da idade
Carlos Mendes

   Não me lembro muito bem se a década do acontecimento que pretendo explorar foi a de sessenta ou a de setenta. Num detalhe a recordação não me engana: foi meu irmão Narciso, leitor assíduo dos bons jornais que circulam em todo o Brasil, que me disse:
       Tem razão o Nelson Rodrigues - e mostrou-me, ato contínuo, o artigo que o talentoso jornalista e dramaturgo escreveia para o Jornal da Tarde.
   Peguei o jornal para o Narciso não ter de ficar a segurá-lo quase encostado ao meu nariz e li, em voz alta como ele esperava que eu o fizesse: “Vivemos na era da razão da idade e não na idade da razão, bastando ser jovem para ter  razão”, arrematava Nelson Rodrigues com o seu costumeiro estilo elegante e ao mesmo tempo contundente.
   Na ocasião eu não consegui furtar-me de pensamentos críticos, que em certa altura posterior da minha vida imaginei atrevida, radical e leviana. Ah, aquela idade em que pensamos ter vencido as tendências irresponsáveis para assumirmos os compromissos de adultos! “O Nelson Rodrigues distila com a sua pena as tintas das frustrações de um velho”, pensei “sapientíssimo!”
   Posteriormente, chegando à “idade da razão” (ou será “razão da idade”?), percebi ter vivido uma era ímpar no devir da sociedade humana. Vivi-a quando ainda não possuía um juízo criterioso para entender as razões do formidável embate entre os atores daquele momento histórico pós-beatleliano.
   Na década seguinte (terá sido a de setenta ou a de oitenta?) pareceu-me que a cisão ganhou outro feitio, com super-pais e super-mães tutelando seus “infer-filhos” e suas  irresponsabilidades. Antigamente, eles eram poucos e os chamávamos “dandy”.
   Hoje em dia, convivendo com a minha quarta geração pergunto: “O que está acontecendo com a era posterior que nos trouxe o partilhar paternidades responsáveis de pais educadores que cumpriram bem o seu papel sem privar os filhos de suas próprias dignidades pessoais? Essa época ligeira em que eu vi reciprocidades amistosas e respeitáveis entre pais e filhos, com absoluta indiferença sobre a idade da razão ou das razões da idade, onde, construindo um belo poema da vida, um pai se deixava admoestar por um filho, ou este guardar respeitosamente os bons preceitos ensinados pelos pais? 

Sem comentários:

Enviar um comentário