A razão da idade
Carlos Mendes
Não
me lembro muito bem se a década do acontecimento que pretendo explorar foi a de
sessenta ou a de setenta. Num detalhe a recordação não me engana: foi meu irmão
Narciso, leitor assíduo dos bons jornais que circulam em todo o Brasil, que me
disse:
—
Tem
razão o Nelson Rodrigues - e mostrou-me, ato contínuo, o artigo que o talentoso
jornalista e dramaturgo escreveia para o Jornal da Tarde.
Peguei
o jornal para o Narciso não ter de ficar a segurá-lo quase encostado ao meu
nariz e li, em voz alta como ele esperava que eu o fizesse: “Vivemos na era da
razão da idade e não na idade da razão, bastando ser jovem para ter razão”, arrematava Nelson Rodrigues com o seu
costumeiro estilo elegante e ao mesmo tempo contundente.
Na
ocasião eu não consegui furtar-me de pensamentos críticos, que em certa altura
posterior da minha vida imaginei atrevida, radical e leviana. Ah, aquela idade
em que pensamos ter vencido as tendências irresponsáveis para assumirmos os
compromissos de adultos! “O Nelson Rodrigues distila com a sua pena as tintas
das frustrações de um velho”, pensei “sapientíssimo!”
Posteriormente,
chegando à “idade da razão” (ou será “razão da idade”?), percebi ter vivido uma
era ímpar no devir da sociedade humana. Vivi-a quando ainda não possuía um
juízo criterioso para entender as razões do formidável embate entre os atores
daquele momento histórico pós-beatleliano.
Na
década seguinte (terá sido a de setenta ou a de oitenta?) pareceu-me que a
cisão ganhou outro feitio, com super-pais e super-mães tutelando seus “infer-filhos”
e suas irresponsabilidades. Antigamente,
eles eram poucos e os chamávamos “dandy”.
Hoje
em dia, convivendo com a minha quarta geração pergunto: “O que está acontecendo
com a era posterior que nos trouxe o partilhar paternidades responsáveis de
pais educadores que cumpriram bem o seu papel sem privar os filhos de suas próprias
dignidades pessoais? Essa época ligeira em que eu vi reciprocidades amistosas e
respeitáveis entre pais e filhos, com absoluta indiferença sobre a idade da
razão ou das razões da idade, onde, construindo um belo poema da vida, um pai se deixava admoestar
por um filho, ou este guardar respeitosamente os bons preceitos ensinados pelos pais?
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