O que remiria minh’alma
Carlos Mendes
Os viventes no auriverde torrão alienaram o que não podiam deixar escapar.
Ao falar assim eu penso em um bem significante e com tanta clareza esquadrinho o seu alto valor, que “se não o vejo e o espírito o afigura”(1) conformar-me não posso com os olhares postos nas dedicações estranhas ao meu preferido interesse.
Aurifulgente pepita de quilate inexcedível é a honra. E que outra virtude a excederá?
Mais pareço um desvairado ao ver, inconformado, o que acontece com as preferências do meu povo brasileiro. Ele ama-se acima da estima de um patriota pela sua nação. Faz de ventos sua azenha; está sempre “no mundo da lua”, enlouquecido pela inútil fama pessoal, alienação e angústia girando como calidoscópio num visor de fama pessoal, que tirado do olho atento aos movimentos dos desprezíveis vidrinhos produzindo brilhos coloridos como se safira fossem, nada mais deixam à vista senão a realidade de um tubo enganador.
O que redimiria a minha alma, devolvendo-lhe as antigas querências, pois, como gado doméstico eu permaneci prazerosamente sob boas tutelas paternais? A vida boa familiar se apegava ao sentimento anunciado nas capas dos cadernos escolares onde pela primeira vez eu li: “a pátria é a família amplificada” (2), frase que testemunhava das amizades com os vizinhos sentados em bancos postos juntos às cercas fronteiriças das propriedades e para onde se achegavam os visinhos, às vezes da quadra inteira. Naqueles bancos comunais arranjados com alegria por quem à rua aparecia primeiro, sentavam-se visinhos doutores, pedreiros, motorneiros, funcionários públicos!...
Essa gente antiga devia agora ressurgir para levar-nos em passeata até os palácios dos poderosos, que poder receberam dos nossos votos. Dona Prazeres, certamente levaria consigo a sua vassoura de palha e a meteria nos fundilhos dos ladrões que roubam o erário e envilecem a nossa estremecida pátria.
Ela não ficaria apenas falando bonito, o quem nem sabia fazer. Mas a sua vassoura muitas vezes falou mais eloquentemente do que todos os famosos discursos dos empolados oradores de hoje, fustigando com ela os fundilhos dos filhos malandros, que com este expediente de mãe responsável aprenderam a ir no horário para as escolas e, mais tarde, para o trabalho de onde tiravam o sustento digno para suas próprias famílias.
Caminhar sobranceiramente é nosso dever, pois a gloria pessoal redunda no fastio de nós mesmos. E perto estamos de nos enojarmos de nós mesmos, pois há muitos com injustificável poder a humilhar-nos até a infamante condição de escravos.
Antes preferisse à fama passageira do assinar reportagens ocas, o caminhar nobremente junto a outros, tangidos como eu pelo ideal da entrega cega, olhos tapados para o promíscuo luxo da fama e do reconhecimento de valores individuais.
(1)Manuel Bandeira
(2) Rui Barbosa
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