A
Revelação©
Carlos Mendes
Lépido, ele subia os degraus da
escada quando a perna vergou depois de uma fisgada no joelho. Achou que era um
sintoma de artrite. “Mas artrite é doença de velho”, pensou discordando do auto-diagnóstico.
Completou a escalada, entrou em casa e foi direto mirar-se no espelho do
banheiro para confirmar a suspeita. “Hum... que artrite qual nada!”
Passaram-se
uns poucos anos de boa forma mental e física e ele esqueceu o incidente. Num
belo dia acordou de madrugada, no final do filme da “Sessão da Madrugada”. Opa!
já é três da madrugada. Não consegui ver todo o filme e a sessão da madrugada
já está terminando. Onde é que vai a energia que me mantinha acordado às
sextas? Levantou-se da poltrona e foi para o banheiro. Acendeu a luz e deu uma
boa olhada no rosto. “Caramba! Não é que estás parecido com o teu velho pai na
idade em que ele não agüentava mais passar das dez da noite?”, indagou da
fisionomia refletida no espelho, convencendo-se que não entrara precocemente na
terceira idade. Mas ficou desconfiado. Lembrou das fotografias que o genro
tirara recentemente, quando da reunião familiar no último Natal.
Pegou
as fotos, levou-as para o banheiro. Ele vestia uma camiseta cavada, e na medida
em que comparava-se, postado diante do espelho, a sua aparência em relação a
cada uma das fotos, viu que numa delas aparecia o seu primeiro genro, reparando
que ele o já possuía algumas cãs. Depois
descobriu a neta mais velha posando ao lado do marido.
Mirou-se
no espelho e viu as pelancas caindo de seus braços. Era um velho olhando agora
para os seus próprios olhos. Começou um diálogo com o espelho: “E por que não percebi
isso antes?”. Então assumiu que aquela nova aparência resolvera-se aos poucos sobre
ele, igual ao vai-e-vem da maré que apaga as inscrições sobre a areia molhada
da praia: “Foram-se todos os vestígios da mocidade!”, concluiu finalmente e
sorriu tentando ser cômico e zombador daquela imagem à sua frente a mover os
lábios no falar as mesmas palavras. “Não olhavas para o teu próprio rabo quando
comentavas sobre o envelhecimento dos ostros!...”
Examinou
novamente as fotografias do último Natal e depois encontrou outra, tirada há
sessenta anos atrás, quando ele era então um garotinho como os dois netos mais
novos que agora contemplava numa foto mais recente. Ela era colorida e ele
comparou-a com uma outra em preto-e-branco, totalmente amarelada pelo tempo. Suspirou
ao pensar que no futuro também nos seus netos desapareceriam os vestígios da meninice,
depois os da mocidade, e, por último, da faze áurea da geratividade, que ocorre
antes daquela velhice insolente a refletir-se no espelho. Largou as fotos e
voltou a encarar, sisudo, sua imagem no espelho. Depois alargou um novo sorriso,
agora carregado de paz e voltando a
falar com a imagem, disse-lhe: “Devias ter começado a contagem regressiva há
vinte e sete anos atrás, quando começaste a demandar o céu onde Jesus foi
preparou-te pousada eterna”. Sentiu sono ao gozar a paz desse reconhecimento e
despedindo-se da imagem lhe disse: “É coroa!... Menos um dia para a partida!”.
Foi
deitar-se e dormiu sorrindo o sono da eternidade.
©Carlos
Mendes
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