segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Parênese

O eu da estátua[i]
Carlos Mendes

            "Quando o eu não é negado, ele é necessariamente adorado"[ii], escreveu um anônimo. E a graça não visita a casa que permanece trancada pela usurpação do "eu".
            Os familiares deste senhor, que agora elejo personagem desta parênese, tem filiações com outros    que encontramos na família da divertida crônica: "Passeio na Ilha do Seu Usucapião", do poeta Drummond. E o nosso filólogo Pedro Luft gostou da brincadeira e nela entrou, animando-me ao contributo.
            De nosso "eu" - o usucapião desta parênese -, descendem: usucapiente, usucapir e usucapto. Pela sua demência, este último lembra O Mentecapto, de Fernando Sabino, e anda usucapindo favores ilícitos.
            Conforme os personagens descritos pelo poeta e o filólogo, Usucapião, o patriarca da famigerada família, é prático na usucapionagem. É um usucaptor! Ele espia, espiona oportunidades de "levar vantagem em tudo", de ter direito ao uso e gozo de todas as coisas, ou seja, aproveitar-se de um cupão permanente que lhe dê direitos e usos pessoais irrestritos.
            Esse "eu", que assume aqui o personagem usucapíão, não pode mesmo ter o governo de nós mesmos, pois o "eu" exerce um governo maligno cujas ações finalizam as dores contraditórias a que Agostinho aludiu em "O Sofrimento Universal". O bem que queremos fora do "eu" se desvanece e estiola nas ações do "eu".
            O que digo, então, nesta parênese? Que não sabemos amar e ser felizes, pois, como nos ensina Leibniz numa abordagem filosófica ao Texto Sagrado no Evangelho de João 3:16: "Amare est gaudere felicitat alterius"[iii]




[i] CONDILLAC, Tratado das sensações, I, 6
[ii] Pérolas para a Vida", compilação de John Blanchard
[iii] Amar é ser feliz com a felicidade de um outro

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