Médico importado
Geraldo Duarte*
Jovenildo grelou os olhos e esticou
os ouvidos. Premiu com força a tecla de aumento de som do controle do
televisor. Zefinha, sua mulher, cochilante, meteu dos pés e gritou irritada: que zuada é essa home de Deus?.
Mulhé! O Brasil arrivirou. O gunverno
vai trazê médico das estranja pru sertão! Vai dá pelos peito dum peba gordo!.
Dia amanheceu com Jove na porta da
casa do mais esclarecido cidadão do povoado. Professor Felisberto.
O mestre disse conhecer a notícia.
Programa Mais Médicos. Em pausado linguajar explicou detalhes ao agricultor.
A solução não era simples. Ali,
naquele grotão, não havia posto de saúde, aparelhamento, enfermeira, atendente,
auxiliares, medicamentos, nem outras exigências mínimas para o objetivado.
De que serviria a presença de um
profissional da medicina? Mesmo que os tais doutores, originários de países
vários, falassem a língua praticada em nossa Pátria, nos compreendessem e
fossem compreendidos, entenderiam os regionalismos? Precisariam de intérpretes?
Inclusive, com conhecimentos folclóricos ou populares?
Complementou citando consulentes
queixosos de amarelão, amojamento, antoje, arroto
choco, azedume, berruga, deitar lombriga, coceira entre o ventoso e o penoso,
comichão, curuba, dor do comprido que desce pro redondo, espinhela caída,
formigado, friviação ardida no mucumbu, nó na tripa, pilôra, coceira na tripa
gaiteira, tremelique, vento preso e centenas de outros termos do Dicionário de
Medicina Popular, de João Conrado e Olimar Filho.
No dizer do velho e sempre replicado
refrão de Colorau, lá dos Inhamuns, Tá muito
difícil, tá muito difícil!.
*Geraldo
Duarte é advogado, administrador e dicionarista.
NOTA: Ó Nordeste!
O teu igual que inventa tontices, que se explique junto ao nosso Geraldo
Duarte.
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