Uma história de velho
Carlos Mendes
Tentava viver como um homem, apesar do contexto cultural muito próximo dos antropóides, mas achava que fracassava, pois a sua velhice não era respeitada. Não admitia ouvir dizer que atravessava um período natural da vida, ocasião em que tentavam reduzir a sua ansiedade aos distúrbios orgânicos, pois apesar dos setenta anos, eles não o perturbavam. O que abundavam eram os preconceitos, estes sim, concluía ele se defendendo contra a solidão e o afastamento de pessoas de outras faixas etárias.
Devíamos aprender com os japoneses para evitarmos a fragmentação familiar – acrescentava para compactar os argumentos da tese que agora expunha, embasada na integridade de uma vida de perfeito relacionamento com os seus falecidos pais.
Tinha consciência da aproximação do fim da vida, pois há mais de dez anos cessara a sua atividade profissional por aposentadoria. Não aceitava a velhice como um conjunto de situações a promoverem a inutilidade de um velho como ele, e mais desejava ainda preparar a sua descendência para enfrentar com dignidade o declínio que agora experimentava na sua própria existência.
Mas a dignidade pessoal escoava-se inexoravelmente, tornando-se precários os meios para a sua subsistência, que se agravava na medida em que se desvalorizava o trabalho dos que ainda eram economicamente ativos. Até que a soma das pensões dele e da mulher só conseguia colocar à mesa frugais alimentações.
Os filhos começaram a falar que o melhor para os pais era viverem numa instituição para idosos, onde o convívio lhes seria mais apropriado, e ele, ao ouvir repetir-se o argumento que seu irmãos também usaram em relação a seus pais, prevenia-se contra um ataque às suas economias.
Como era poeta e temia a Deus, apresentou-Lhe suas súplicas através de um soneto que intitulou:
“Súplicas por um tempo sem fim”
Os calendários e relógios / São circunlóquios enganosos. / Nos campanários soam horas, / Nos almanaques correm meses
Imperturbáveis cronológicos / Marcam meus passos temerosos / Nos vãos minutos que demoras / Minh’alma sofre tantas vezes.
Os aconchegos, pressurosos, / Lançam de si pobres caiporas / Aos recolhidos como reses.
Ó fim da vida, passos vagarosos! / Não chegais nunca? Não tendes horas, / Ou não ouvis meus anelos fragorosos?
04-11-2002.
© Carlos Mendes (1932 - ) - Autor do romance O Milênio e o Tempo
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