sábado, 30 de março de 2013

Flagrantes da Vida

   Esperava a mulher sair do mercadinho, carro estacionado na rua calçada onde o mato crescia entre os paralelepípedos e encostado ao meio-fio. Passou a prestar atenção em um cão que cheirava cuidadosamente as moitas de capim, urinando em seguida sobre a que teria selecionado pelo olfato. Depois da urinada ele se voltava de costas para a moita e movimentava as pernas traseiras como se as quisesse encobrir com terra. Repetiu esse procedimento várias vezes e depois entrou por um vão entre as tábuas do portão da propriedade que certamente o abrigava.

   Passou a pensar nas muitas cercas construídas pelo mundo afora e mal notou a mulher abrir a porta do carro e entrar com o pacote da pequena compra que fizera.
   — Vamos ficar parados aqui? — perguntou-lhe.
   Ele pôs o carro em movimento, olhar ausente denotando o seu costumeiro envolvimento com pensamentos graves. Narrou a cena do cão para a mulher, que respondeu:
      Todo cachorro faz o mesmo.
   — O cão é irracional, mas no instinto ele tem o mesmo defeito do homem, pois é mais violento contra os da mesma espécie, quando se trata de proteger os seus domínios.
   — Tu queres me explicar o ponto?
   — No instinto, gente também faz o mesmo — respondeu ele para a mulher, que se preparou para ouvir uma longa exposição —. O homem toma para si tudo o que pode, esteja dentro ou fora dos seus domínios, mas no que lhe pertence por direito, ai daquele que intente nele executar os seus planos de conquistas.
   — E o cão que sai na rua também não vai desfazer as marcas alheias na frente de outros quintais?
   — É como te disse: Ele tem o mesmo defeito que existe no homem: Mas, chegando à frente do seu quintal um outro cão demarcando a moita que ele entende pertencer-lhe com exclusividade, que o estranho se prepare para uma luta encarniçada, se a diferença de tamanho e ferocidade não for muito grande! E como acontece com os cães, também entre os humanos. A vitória é sempre do mais forte ou poderoso. Este vai demarcando os territórios de quantos sejam mais fracos, ou menos poderosos do que ele.

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