sábado, 23 de fevereiro de 2013

A poesia de Mendes Carlos

Da coleção: "O Vento Girou", convidada a participar da Primeira Festa Lutrária do ABCD, em 2.009


A recaída do filho pródigo

Vergado sob jugo cruel,
Faminto e sujo até a alma,
Olhar sofrido pela dor
Desejando alívio ao terrível fel
Tirando-te o sono e a calma,
Tu parecias um traste sem valor.

Ninguém olhava para ti
E todos passavam ao largo,
Evitando sentir o teu mau cheiro.
Olhaste para mim e eu te vi,
Feição tristonha, olhar amargo!
Abri-te os braços para ter-te inteiro.

Limpei-te e te vesti com garbo,
Ofereci a ti minhas riquezas
Porque te amei como a um filho.
Mas tu preferiste o espinhoso cardo
Que te ferira com as asperezas
E escureceu-se em ti o meu viçoso brilho.

Volta para mim, rebelde rebento,
E confessa-te arrependido
Que te perdôo, pois te amo muito.
Tu não sejas instável como o vento,
Oscilante como um perdido
Caminhando nesse viver fortuito.



A monção
Incomodante arrepio
Sobe dos pés cruzando o vau.
E as águas de enregelante frio
Repete um pensamento mau
Surgido a instantes, quando o brio
Da saúde fértil e corporal,
Passou qual ânimo fugidio
E abateu sua moral.

Chegando a falda da montanha
Ergueu o olhar ao alto cume
E pareceu-lhe que a façanha
De escalá-lo era um lume
Que se apagava na entranha
De quem sente ciúme
Daqueles que, sem artimanha,
Exalam força qual perfume.

Não era o frio, mas a velhice,
Anuiu ele em pensamento,
E ficou triste com a chatice
De conviver com o ornamento
Da falsidade sobre a calvície
Cobrindo o côco sem filamento.
Peruca tola, patetice
De quem disfarça o argumento!   

Soprando com regularidade,
O vento em sua solicitude
Trouxe consigo a saudade
Do longínquo verão da juventude,
Quando então, a vaidade,
É a habitual atitude
Daqueles que, sem maldade,
Rejubilam-se nessa virtude.


O último olhar de um desacampado  

Ao calor da chama crepitante
Aquecendo pensamentos triunfais,
Fez-se atendo a um tema importante
Da história da vida, ou seus anais.

Em princípio, memória intrigante
Dos desejos ditos animais.
Depois a obrigação oscilante
De criar filhos como os demais.

Sucedeu essa memória vacilante
O sabor da vida temperada em sais,
Prudência que deixou-o confiante.

O lenho se apagou como os ais
Longínquos de quem fora arrogante.
Menos um entre os muitos arraiais.


Torrentes radicais

Rodo, que rodas as vagas
Das mágoas que correm no chão,
São muitas as lágrimas
E as puxas dos pisos que piso
No surfe de ondas
Que rolam aos molhos
Dos meus tristes olhos


O Necessário e o Contingente

Beleza apreensível vem após a dor
E o seu gozo intenso formata-se em Amor.
Portanto o perder é necessário
Para avultar o valor do relicário.

O incrível postulante do “eu merço”
É contingência de um alto-apreço
Do indivíduo remarcado
Pelo preço de um vintém furado

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