quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Crônica

Aquela gente antiga

Os viventes no auriverde torrão alienaram o que não podiam deixar escapar.
Ao falar assim eu penso em um bem significante, e com tanta clareza esquadrinho o seu alto valor que “se não o vejo e o espírito o afigura”(1) me conformar eu não posso com os olhares postos nas dedicações estranhas ao meu preferido interesse.
Aurifulgente pepita de quilate inexcedível é a honra. E que outra virtude a excederá?
Mais pareço um desvairado ao ver, inconformado, o que acontece com as preferências do meu povo brasileiro. Ele ama-se acima da estima de um patriota pela sua nação. Faz de ventos sua azenha; está sempre “no mundo da lua”, enlouquecido pela inútil fama pessoal. É a alienação e a angústia girando como calidoscópio num visor de fama pessoal, que tirado do olho atento aos movimentos dos desprezíveis vidrinhos produzindo brilhos coloridos como se safira fossem e nada mais deixando à vista senão a realidade de um tubo enganador.
O que redimiria a minha alma, devolvendo-lhe as antigas querências, pois qual gado domesticado eu permaneci prazerosamente sob boas tutelas paternais? A vida boa familiar se apegando ao sentimento anunciado nas capas dos cadernos escolares onde pela primeira vez eu li: “a pátria é a família amplificada” (2), frase que testemunhava das amizades com os vizinhos sentados em bancos postos juntos às cercas fronteiriças das propriedades e para onde todos, às vezes da quadra inteira, se achegavam. Naqueles bancos comunais arranjados com alegria por quem à rua aparecia primeiro, sentavam-se doutos visinhos de mistura com pedreiros, motorneiros, funcionários públicos!...
Aquela gente antiga devia agora ressurgir para levar-nos em passeata até aos palácios dos poderosos, que poder receberam pelos nossos votos. Certamente Dona Prazeres, levaria sua vassoura de palha e a meteria nos fundilhos dos dilapidadores do erário, que envilecem a nossa estremecida pátria, expediente que ela usava contra os filhos malandros, para ensinar-lhes a honrarem os seus compromissos com a escola e, mais tarde, com o trabalho de onde tiraram o sustento digno para eles e para os seus dependentes. E que os patifes nem ousassem assentar-se naquele sagrado banco comunal de gente de bem que ali se reunia, para que o instrumento corretivo de dona Prazeres não vibrasse nos seus fundilhos!
Devemos caminhar sobranceiramente, pois a gloria pessoal redunda no fastio de nós mesmos. E perto estamos de sentir esse alto-enojamento, pois há muitos que usam o poder que lhes demos pelo voto, instrumento para nos humilharem até a infamante condição de escravos seus.
Antes preferisse à fama passageira do assinar reportagens ocas o caminhar nobremente, ombro unido a outros meus iguais, como eu tangidos pelo ideal da entrega cega do melhor que temos. Caminhar com o olhar tapado para o promíscuo luxo, que só a fama de reconhecimento a valores individuais deseja.

Carlos Mendes

Escritor. Autor dos romances: O Milênio e o Tempo.

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