quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Provérbio

Estrada de emenda
               Carlos Mendes

Provérbio: "Conhecer culpa é estrada de emenda"

Algumas coisas não mudam, mesmo depois de se tornarem diferentes do seu estado primitivo.
Há persistências inexplicáveis no sofrimento sem trégua ou no contentamento irresponsável.
Minúsculo ser humano ainda informe, mas já envolto em sensações que não entende, é excitado prazenteira ou desagradavelmente por elas, resultando alegria ou tristeza; sentimento de perigo ou de confiança.
|As glândulas em desenvolvimento no complexo organismo humano exercitam o ser para as suas autonomias. E a alma tangida pelas percepções maternas, oferecem às janelas de suas emoções ou de suas curiosidades, o medo ou a coragem... Tudo em abstrato, composições genéticas orquestrando uma ode que pode ser de exaltação ou de negação à vida.
Apenas surgido para a vida o ser placentário inicia a caminhada na senda do mundo. No ventre que o abriga e na caminhada de quem o tem em seu próprio ser, ele começa um aprendizado sem contornos limitantes, os quais vão impregnando sua alma e supra-consciência, que lhe são dadas acabadas, para receberem o que do mundo lho virá.
Tempo para permanecer pousado e tempo para voar é a seqüência lógica ensinada pela voluntariedade do adejar dos pássaros. No ventre da mãe o nascituro não reconhece as realidades observadas por ela, mas sente os prazeres ou os incômodos que a sensibilizam durante a concepção, que o golpeiam através das emoções.
Aquele minúsculo ser ainda informe nascido para as experiências da vida, um dia irá pensá-las com autonomia, pois é um ser nascido para perceber, pensar e julgar. E, ao pensar, logo perceberá que existe![1] Existência ainda dependente, por consanguinidade que o ensina autonomias decisórias pela obediência ou pela rebeldia, seja para o mal, seja para o bem.
Ao nascer, o humano ser inicia sua busca por um pouso seguro. Livre ou prisioneiro ele voou nos ideais ou nos desejos dos pais, mas agora pode alçar o seu voo, independente por ter autonomia sobre ele. Pode romper com os ideais e os desejos dos pais. Rejeitá-los ou encampá-los; tomá-los pela esperança ou pela inconsequência; alegrar-se de os ter ou inferiorizar-se ante a constatação de prazer-lhe os maus ideais. Ainda informe, o novo ser pode alegrar-se com a herança da vida ou sofrer o horror da possibilidade de ser um excluído. Antes, a sua autonomia foi embalada pelo bem, ou ameaçada pelo mal, vivendo gozo ou horror. E depois de nascido, pode gozá-la ou sofrê-la.

* * * * *

Conheceram-se durante as dores de parto e na recepção do hospital. Para uma era a primeira experiência; para a outra, continuada repetição. Sem experiência e sem parentes próximos, a primeira colocou-se em dependência, empenhando-se na atração da amizade de quem por aquelas mesmas dores passava outra vez.
Filhos nascidos no mesmo dia e no mesmo hospital, mas não na mesma maternidade. Em pouco tempo a experiente pariu o seu filho na maternidade junto ao pavimento térreo e por poucas horas lá permaneceu internada. A outra deu a luz na maternidade do pavimento superior, longe do barulho da rua movimentada. Teve-o no momento aprazado para a cesariana e permaneceu internada por dois dias em quarto particular e cercada dos melhores cuidados. Mas antes e durante o compartilhamento das dores de parto, ela pedira o endereço da outra, que só lhe ofereceu um número de telefone para recados.
Passadas as dores do parto, restou a novata os incômodos dois dias posteriores a cesariana, e quando estava para receber alta pediu que o marido buscasse conhecer o endereço da jovem e bonita mulher de quem possuía apenas o número do telefone, pois desejava com ela encontrar-se para compartilhar a alegria comum da concepção; para conhecer seu filho e apresentar-lhe o seu.

—    Ela está trabalhando – informou a mulher de idade avançada, parecendo amuada e fechando a porta da entrada da casa, de onde oferecera resposta rápida e ríspida à mamãe feliz com o seu bebê ao colo, parados junto ao portão enferrujado entre os muros esburacados que fechavam a entrada para o terreno.
Resmungando, a idosa voltou a balançar a rede puída. Ninava o neto que acabara de alimentar com um caldo ralo de água com açúcar e um punhado de leite em pó. Desalentava-se já no segundo dia da primeira semana de vida do novo neto, e calculava o tempo que permaneceria cuidando dele, antes da adoção.
“Trabalhando... Pois sim!... Está é a planejar um novo bebê à adoção!”, falou para si mesma num balançar de ombros, renúncia acatada há seis netos atrás.
O novo namorado da parideira era um gigolô nada propenso a dividir as responsabilidades daquela que explorava suas gestação como empreendimento enriquecedor.
—    De quantos dias precisarás para corrigir-te dos defeitos da mocidade? – perguntou-lhe o gigolô.
Ela achou que lhe falava do tempo futuro, quando a decadência do feitiço de sua pele macia e corpo escultural aconteceria. Oferecendo-se, lasciva, ante os olhos do gigolô: - "Mais noventa dias e me terás em plena forma física!"
“Que burrinha!”, pensou o gigolô dando-lhe um beliscão nas nádegas provocadoras.
—    Não te corrijas para mim, pois és perfeita nessa tua juventude, boneca!
—    Então o quê?
—    Não precisas fabricar bebês, tolinha!
Ela se achegou roçando-lhe as cochas, e ensaiando a melhor persuasão, entreabriu seus lábios túmidos, aproximando-os lentamente dos que ostentavam o sedutor sorriso do explorador.
—    Então!... – sussurrou, boca quase colada aquela que lhe sorria por baixo dos olhos arrogantes, revelando-lhe todo seu desprezo ante a desajeitada sedução – me sustentarás?!..., concluiu a jovem. Ele afastou o rosto e empurrou-a pelos ombros.
—    Burrinha, planejas inverter os papéis? Disse-lhe com um sorriso debochado.
—    Então o quê?... – Perguntou-lhe dando de ombros...


[1] O cogito de Descartes

Sem comentários:

Enviar um comentário