Estrada de emenda
Carlos
Mendes
Provérbio: "Conhecer culpa é estrada de
emenda"
Algumas coisas
não mudam, mesmo depois de se tornarem diferentes do seu estado primitivo.
Há
persistências inexplicáveis no sofrimento sem trégua ou no contentamento
irresponsável.
Minúsculo ser
humano ainda informe, mas já envolto em sensações que não entende, é excitado prazenteira
ou desagradavelmente por elas, resultando alegria ou tristeza; sentimento de
perigo ou de confiança.
|As glândulas
em desenvolvimento no complexo organismo humano exercitam o ser para as suas
autonomias. E a alma tangida pelas percepções maternas, oferecem às janelas de
suas emoções ou de suas curiosidades, o medo ou a coragem... Tudo em abstrato,
composições genéticas orquestrando uma ode que pode ser de exaltação ou de
negação à vida.
Apenas surgido
para a vida o ser placentário inicia a caminhada na senda do mundo. No ventre que o abriga e na caminhada
de quem o tem em seu próprio ser, ele começa um aprendizado sem contornos
limitantes, os quais vão impregnando sua alma e supra-consciência, que lhe são dadas
acabadas, para receberem o que do mundo lho virá.
Tempo para
permanecer pousado e tempo para voar é a seqüência lógica ensinada pela voluntariedade
do adejar dos pássaros. No ventre da mãe o nascituro não reconhece as
realidades observadas por ela, mas sente os prazeres ou os incômodos que a
sensibilizam durante a concepção, que o golpeiam através das emoções.
Aquele
minúsculo ser ainda informe nascido para as experiências da vida, um dia irá
pensá-las com autonomia, pois é um ser nascido para perceber, pensar e julgar. E,
ao pensar, logo perceberá que existe![1] Existência
ainda dependente, por consanguinidade que o ensina autonomias decisórias pela
obediência ou pela rebeldia, seja para o mal, seja para o bem.
Ao nascer, o
humano ser inicia sua busca por um pouso seguro. Livre ou prisioneiro ele voou
nos ideais ou nos desejos dos pais, mas agora pode alçar o seu voo, independente
por ter autonomia sobre ele. Pode romper com os ideais e os desejos dos pais.
Rejeitá-los ou encampá-los; tomá-los pela esperança ou pela inconsequência; alegrar-se
de os ter ou inferiorizar-se ante a constatação de prazer-lhe os maus ideais.
Ainda informe, o novo ser pode alegrar-se com a herança da vida ou sofrer o
horror da possibilidade de ser um excluído. Antes, a sua autonomia foi embalada
pelo bem, ou ameaçada pelo mal, vivendo gozo ou horror. E depois de nascido, pode
gozá-la ou sofrê-la.
* * * * *
Conheceram-se
durante as dores de parto e na recepção do hospital. Para uma era a primeira
experiência; para a outra, continuada repetição. Sem experiência e sem parentes
próximos, a primeira colocou-se em dependência, empenhando-se na atração da
amizade de quem por aquelas mesmas dores passava outra vez.
Filhos nascidos
no mesmo dia e no mesmo hospital, mas não na mesma maternidade. Em pouco tempo a
experiente pariu o seu filho na maternidade junto ao pavimento térreo e por
poucas horas lá permaneceu internada. A outra deu a luz na maternidade do
pavimento superior, longe do barulho da rua movimentada. Teve-o no momento
aprazado para a cesariana e permaneceu internada por dois dias em quarto
particular e cercada dos melhores cuidados. Mas antes e durante o
compartilhamento das dores de parto, ela pedira o endereço da outra, que só lhe ofereceu um número de telefone para recados.
Passadas as
dores do parto, restou a novata os incômodos dois dias posteriores a cesariana,
e quando estava para receber alta pediu que o marido buscasse conhecer o
endereço da jovem e bonita mulher de quem possuía apenas o número do telefone,
pois desejava com ela encontrar-se para compartilhar a alegria comum da
concepção; para conhecer seu filho e apresentar-lhe o seu.
— Ela está trabalhando – informou a mulher de idade
avançada, parecendo amuada e fechando a porta da entrada da casa, de onde oferecera
resposta rápida e ríspida à mamãe feliz com o seu bebê ao colo, parados junto
ao portão enferrujado entre os muros esburacados que fechavam a entrada para o
terreno.
Resmungando, a
idosa voltou a balançar a rede puída. Ninava o neto que acabara de alimentar
com um caldo ralo de água com açúcar e um punhado de leite em pó. Desalentava-se
já no segundo dia da primeira semana de vida do novo neto, e calculava o tempo que
permaneceria cuidando dele, antes da adoção.
“Trabalhando...
Pois sim!... Está é a planejar um novo bebê à adoção!”, falou para si mesma num
balançar de ombros, renúncia acatada há seis netos atrás.
O novo
namorado da parideira era um gigolô nada propenso a dividir as
responsabilidades daquela que explorava suas gestação como empreendimento enriquecedor.
— De
quantos dias precisarás para corrigir-te dos defeitos da mocidade? –
perguntou-lhe o gigolô.
Ela achou que
lhe falava do tempo futuro, quando a decadência do feitiço de sua pele macia e
corpo escultural aconteceria. Oferecendo-se, lasciva, ante os olhos do gigolô:
- "Mais noventa dias e me terás em plena forma física!"
“Que
burrinha!”, pensou o gigolô dando-lhe um beliscão nas nádegas provocadoras.
— Não
te corrijas para mim, pois és perfeita nessa tua juventude, boneca!
— Então
o quê?
— Não
precisas fabricar bebês, tolinha!
Ela se achegou
roçando-lhe as cochas, e ensaiando a melhor persuasão, entreabriu seus lábios
túmidos, aproximando-os lentamente dos que ostentavam o sedutor sorriso do explorador.
— Então!...
– sussurrou, boca quase colada aquela que lhe sorria por baixo dos olhos arrogantes,
revelando-lhe todo seu desprezo ante a desajeitada sedução – me
sustentarás?!..., concluiu a jovem. Ele afastou o rosto e empurrou-a pelos
ombros.
— Burrinha,
planejas inverter os papéis? Disse-lhe com um sorriso debochado.
— Então
o quê?... – Perguntou-lhe dando de ombros...
Sem comentários:
Enviar um comentário