Réquiem para um pardal
O dia amanhecera fulgurante como se o verão já houvesse chegado.
O velho acordou mais cedo e foi para o varandim saudar o sol forte e brilhante iluminando os pequenos montes arborizados que retinham as águas da grande depressão do terreno da represa que se abria na paisagem à sua frente. Espreguiçou-se festejando a boa disposição que voltava depois da fria primavera que chegava ao fim.
Chegara o tempo de desfrutar o conforto dos banhos e das massagens friccionadas pelos repuxos que circulavam a água na piscina construída num outeiro quase ao nível do telhado da casa. Tirou das gavetas a sunga e a camisa de malha cavada e foi limpar e clorar a água. Antes de aspirar o fundo, peneirou a piscina e meteu toda a sujeira num saco plástico. Depois desceu as escadas e foi tomar o café. A passarada nos viveiros da casa vizinha começou a entoar trinados que lhe pareciam tristes. “Talvez seja o meu estado de espírito que esteja colocando tristeza onde não existe”, pensou o velho.
Preparou o café, a mesa com o pão, manteiga, queijo, frutas e tomou o desjejum.
Prestou atenção nos trinados sinfônicos das aves e concordou com a razão. Realmente eles tinham um tom de tristeza, pensou tomando o último gole de café.
Levantou-se, foi pegar o saco com os detritos recolhidos e desceu a escadaria até a rua onde o depositou na lixeira.
Quando voltou a passarada cantava alegremente e ele então se lembrou do pardal que se afogara na piscina e que ele mantivera no saco enquanto tomava o café. Pusera-o em cima do muro que dividia o terreno com o local onde se encontravam os viveiros com a passarada bem cuidada que agora alegrava o restante da sua manhã ensolarada.
Carlos Mendes
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